Sem Alqueva o Alentejo estaria muito pior!

28-04-2014

A 31ª Ovibeja realiza-se numa altura em que começam a ver-se os primeiros resultados da água de Alqueva. São já muitos os investimentos e diversas as novas culturas que estão a ser feitas. Para mostrar toda a inovação e criatividade surgida nos últimos anos, no setor das agroindústrias, a Feira do Alentejo dedica todo um pavilhão a este tema - “Terra Fértil, Mostra de Inovação Agrícola e Agribusiness” - um dos destaques da Ovibeja 2014, que se realiza entre 30 de abril e 4 de maio no Parque de Feiras e Exposições de Beja. A entrevista é a Manuel Castro e Brito, presidente da ACOS - Agricultores do Sul - que se orgulha de há 31 anos encabeçar a organização deste grande certame do Sul de Portugal.

 

Todos os anos a Ovibeja se tem renovado e  nesta edição o lema principal da feira é o da inovação agrícola e do aparecimento de novos produtos, a chamada “Terra Fértil”. É uma aposta em novos conteúdos?

MCB: É uma outra fase que estamos a passar aqui no Alentejo. Por um lado, é a modernização das explorações agrícolas, com novas culturas, mas muitas vezes voltando ao que era antigamente. Com a nova PAC as explorações que não têm água terão que fazer uma gestão mais ecológica e responder a mais exigências de boas práticas ambientais. E é esta a abordagem que temos de fazer, seja com a presença da água, com o regadio, seja devido à nova PAC onde o bem-estar e o ambiente têm muito peso.

 

É a água de Alqueva que já está a permitir novas culturas?

MCB: Sem dúvida. Na área das horto-industriais, frutícolas, mas sobretudo na cultura do olival o que fez com que sejamos já autossuficientes em azeite e com uma perspetiva, a muito curto prazo, de sermos grandes exportadores de azeite. Também a cultura do milho tem avançado muito nesta região.

 

As culturas ligadas à água requerem normalmente grandes investimentos. Tem havido essa disponibilidade?

MCB: O investimento é brutal. Mudar uma exploração de sequeiro para regadio é um investimento muito grande para o agricultor. Aliás, o grande investimento que se está a fazer aqui no regadio do Alqueva é o investimento privado, que é feito pelos agricultores. São investimentos muito grandes, numa altura em que os juros estão muito altos.

 

Ainda sobre Alqueva, considera que a promessa do Governo de ter a obra concluída em 2015 se vai cumprir?

MCB: Os agricultores têm que acreditar naquilo que foi dito pelo primeiro-ministro aqui na Ovibeja há dois anos, que em 2015 o projeto está concluído. Aliás, as obras neste momento estão com uma grande dinâmica nos dois blocos de rega Baleizão-Quintos e Cinco Reis-Trindade.

 

O Alentejo hoje está mais rico, está melhor, do que antes de Alqueva?

MCB: Vai estando. Há zonas em que se nota algum desenvolvimento. Primeiro, em virtude das obras que trazem empresas e trabalhadores para aqui e que vão dando dinâmica à região. Depois, há empresas ligadas ao regadio que também têm vindo para cá, com maquinaria agrícola, e, de facto, começam-se a ver nesta região do Alqueva outras perspetivas. Também há gente nova que vai ficando nestes novos setores e isso é muito importante.

 

Mas falta ainda outro patamar: será o do aproveitamento agroindustrial?

MCB: Esses investimentos também estão a chegar a pouco e pouco. Os lagares também são indústria. Nós temos muitos e ótimos lagares e adegas. Outros tipos de agroindústrias chegarão a toda a hora, mas de qualquer maneira eu penso que se não fosse o regadio esta região estaria muitíssimo pior do que está neste momento.

 

Não deve ser feita propaganda sobre os jovens e a agricultura

 

Muito se tem falado da entrada de muitos jovens na atividade agrícola. Já é possível fazer um balanço sobre os resultados deste movimento?

MCB: Eu não o consigo fazer. Quem o pode fazer é quem recebe os projetos de investimento de jovens agricultores, seja o PRODER ou o Ministério da Agricultura. No entanto, o que noto é que houve uma grande especulação sobre este assunto. E penso que não é de bom gosto estar a embandeirar com frases como “a agricultura vai ser solução para o desemprego dos jovens”, ou “venham para a agricultura porque é um setor que compensa”. A agricultura é um negócio complicado, porque requer “know how”, requer capital como todos os negócios, mas está muito dependente do tempo e ninguém controla o clima. É preciso que haja bom senso, alguma prudência neste aspeto dos jovens na agricultura. Eles fazem falta, é bom que estejam, mas não é uma propaganda que se possa fazer de ânimo leve.

 

Já há pouco se referiu à reforma da PAC. A reforma da Política Agrícola Comum vai trazer alterações à atividade dos agricultores?

MCB: Em 2015 ela estará no terreno e traz um novo modelo, numa lógica que junta a produção com as obrigações ambientais.

 

Mas é uma boa reforma?

MCB: Na nossa visão é a reforma possível, já que cada vez há mais países e o orçamento é o mesmo ou tende a diminuir.

 

Olhando agora para a Ovibeja, esta é já uma feira com o seu lugar bem definido no panorama nacional?

MCB: Sim, mas a Ovibeja não “dorme na forma”. Todos os anos temos mais desafios, todos os anos temos mais investimentos, todos os anos procuramos uma diferenciação comparando com o geral das feiras. Sem falsa modéstia, tenho muito orgulho em dizer que a Ovibeja criou uma matriz para as feiras de norte a sul do país. Não havia rocks’n’rolls nem espetáculos à noite em nenhuma feira. A Ovibeja pôs isso no terreno e hoje em dia há em todas. Não havia dj’s, a Ovibeja apareceu com dj’s, não havia exposições temáticas… De há 15 anos para cá a Ovibeja faz sempre exposições de vários temas, da produção, à água, ao ambiente, ao azeite e ao vinho, etc., numa atitude pedagógica para quem a visita, sejam novos ou velhos. De facto a Ovibeja presta um serviço não só à agricultura, mas sim à população, ao consumidor em geral, que aqui tem a possibilidade de aprender muita coisa e saber aquilo que come.

 

A Ovibeja tem conseguido dar também outra imagem mais positiva, mais dinâmica do Alentejo?

MCB: Sem dúvida alguma. A Ovibeja, por si só, é um exercício de dinâmica, de coragem, de ir para a frente. Sem nunca se ter resignado a discurso lamechas, a Ovibeja tem reivindicado aquilo a que a agricultura, e as regiões do interior têm direito. É muito fácil dizer que o Estado vai deixar de investir em estradas porque já construiu muito. Claro que é fácil para quem tem autoestrada à porta e linha de caminho-de-ferro eletrificada. Mas os que não têm nada disso, como é o nosso caso, não podem ficar calados. Estas coisas têm que ser abordadas pelo bom senso e não pelo lado da propaganda política. Estamos todos fartos disso.

 

Mas a verdade é que quando se olha para o Alentejo há dois setores que estão a destacar-se pela positiva. Um é a agricultura, outro o turismo. Neste campo, a Ovibeja também tem desempenhado um papel importante?

MCB: Isso é verdade, porque há muitos portugueses que descobriram agora a América, e neste caso a América é o Alentejo. As pessoas não sabiam que para comerem o papo-seco de manhã ele vinha de algum lado e as batatas não nasciam nas mercearias nem nos supermercados. Penso que as pessoas evoluíram, têm mais cultura e começam a atribuir mais valor às coisas simples, à génese das coisas. Com o turismo passa-se exatamente o mesmo, penso que já se ultrapassou aquela fase pacóvia dos casinos e dos grandes aglomerados nas praias superlotadas e começa a haver uma procura mais evoluída, mais jovem, para o interior do país e aqui para o Alentejo. Por outro lado, a especulação imobiliária que houve, com todos esses yuppies e com todos os negócios na área dos serviços, deu aquilo que deu e, finalmente, começa a olhar-se para o setor primário como um investimento e um trabalho sério, que não especula, até porque está assente na terra que, muitas vezes, vem já de há gerações na mesma família.

 

Na Ovibeja, este ano, vamos ter o espaço Terra Fértil, que é um espaço dedicado à inovação e aos novos produtos da terra, que outras novidades se podem encontrar?

MCB: As novidades são trazidas, a maior parte delas, pelos nossos expositores. Eu costumo dizer: a Ovibeja é sempre a mesma coisa, mas sempre também com novidades. Mas já há pouco por inventar, não há dúvida. Por isso fazemos um esforço, sempre com a ajuda dos nossos expositores. No ano passado demos já um salto com um novo espaço onde existe alguma experimentação de culturas, onde está a maquinaria agrícola, e a que chamámos o Campo da Feira. Este ano vamos melhorá-lo, já temos as culturas no terreno… Esta é uma feira muito grande e é preciso muito tempo para quem a quer visitar em pormenor.

 

A realização desta Ovibeja é quase coincidente com as comemorações do 25 de abril de 1974. Embora seja uma obra de uma associação de agricultores, uma feira deste género só pode existir num contexto de liberdade como o atual ou poderia ter existido noutro contexto político?

MCB: O 25 de abril passou-se há 40 anos. Foi o que foi, é o que é, tem vertentes muito positivas e a principal é a liberdade, e eu poder estar aqui a dizer coisas sem receio de poder vir a ser perseguido por isso. E essa foi uma grande conquista também da minha geração, porque eu sou exatamente da geração do 25 de abril. Foi um movimento que os partidos políticos tentaram monopolizar, mas antes do mais foi um movimento das pessoas, dos cidadãos, principalmente dos jovens e também daqueles que passavam os melhores anos da sua vida na guerra. Eu fui um desses jovens, estive mais de dois anos em Angola.

É inegável que o 25 de abril trouxe mais justiça e melhores condições de vida para os mais pobres e também o acesso aos direitos primários como a alimentação, a saúde e a educação, houve um grande desenvolvimento e melhoria de vida que hoje é evidente nas gerações mais novas.

Também houve injustiças tremendas e a destruição de muitas infraestruturas, tanto da agricultura, como da indústria, como outras, e a pilhagem de várias pessoas e de várias empresas. Aconteceu, foi há 40 anos e felizmente foi uma revolução pacífica. Há várias efemérides que até já deixaram de ser feriado. O 25 de abril, por enquanto, ainda é.