Comunicado ANIL

- Preços ao produtor aumentaram nos últimos meses e estão em linha com a Europa

- Preços de venda à distribuição são cada vez mais penalizados

 

Nas últimas semanas, a comunicação social vem dando grande destaque à grave crise que afecta o sector lácteo, com sucessivas referências às dificuldades enfrentadas pelos produtores de leite e colocando sobre os ombros das indústrias transformadoras a responsabilidade de resolução dessas dificuldades por serem elas quem recolhe e paga toda a matéria-prima produzida no país.

As indústrias recordam, contudo, que mais do que investirem em permanentes polémicas, estão ocupadas em recolher diariamente milhões de litros de leite, em processá-los e transformá-los, em escoá-los e valorizá-los.

  

PREÇOS DO LEITE À PRODUÇÃO

As indústrias têm vindo a ser multiplicadamente acusadas de pagarem aos seus produtores preços que são adjectivados como sendo “preços do terceiro mundo” ou “os mais baratos da Europa”. Essas acusações, como todas as informações oficiais podem facilmente comprovar, estão longe, muito longe, de corresponder à verdade.

Considerando os últimos 5 anos, o preço do leite no Continente apenas em 9 dos 60 meses foi inferior ao da média europeia e em apenas 6 desses meses em valor superior a 1 cêntimo/litro. Ao invés, nos meses restantes tal valor é igual ou superior, sendo que em 24 desses meses se verifica um diferencial positivo igual ou superior a 2 cêntimos/litro, havendo mesmo períodos com diferencial de preço médio superior que chegaram a 7 cêntimos. Nesses 60 meses, o preço do leite no Continente foi, em termos médios continuadamente superior ao preço médio do leite em Espanha.

É verdade que o preço do leite comunicado às instâncias europeias por Portugal apresentou, durante alguns meses de 2010 algum afastamento do valor médio comunitário. Mas é também verdade que o preço nacional voltou a reposicionar-se, reaproximando-se daquele preço médio na União Europeia.

A indústria reconhece o agravamento dos custos suportados pelos produtores e deseja contribuir, como de há muito o vem fazendo, para uma melhor rentabilidade das explorações leiteiras, juntando esforços para que os próprios custos operacionais associados à produção leiteira possam ser, na medida do possível, contidos.

A indústria, não pode, contudo, deixar de enfatizar que os preços pagos à produção são, obviamente, condicionados pela valorização obtida na respectiva venda aos seus clientes.

Para além disso e como é sabido, a indústria tem o compromisso de recolher, pagar e processar todo o leite dos seus produtores e cumpre rigorosamente esse seu compromisso, independentemente da volatilidade do mercado ou das alterações das políticas de aprovisionamento dos seus clientes.

 

AGRAVAMENTO DOS CUSTOS INDUSTRIAIS

Para além disso, também a indústria está a sofrer um forte agravamento de custos, quer pela via da própria matéria-prima, quer pela via de outras matérias subsidiárias, materiais de embalagem, custos energéticos e com combustíveis, com transportes e logística. De acordo com o levantamento feito junto dos nossos associados, em apenas seis meses, os custos de produção agravaram-se entre 12 e 15% e não foi possível, até à presente data, repercutir esses agravamentos ao nível dos preços de venda dos diversos produtos lácteos aos nossos clientes.

Por outro lado, como pode ser facilmente verificado, os preços de venda ao público da generalidade dos produtos lácteos não sofre alterações (excepcionadas campanhas promocionais, mais ou menos pontuais, onde como é sabido os preços são ainda mais baixos) desde há muitos meses.

Recorde-se que nas gamas mais básicas, os preços de prateleira desses produtos são dos mais baixos de toda a Europa.

Acresce, ainda, que os preços que são efectivamente relevantes para a indústria não são aqueles que o consumidor paga nos espaços comerciais, mas os que os distribuidores pagam aos seus fornecedores.

As tabelas de preços dos produtos fornecidos – mesmo com o referido agravamento dos preços das matérias-primas e de outros custos de produção - não são actualizadas há dois anos.

Os agravamentos das condições contratuais em que esses fornecimentos são efectuados implicaram, apenas no último ano, uma quebra efectiva do valor das nossas vendas que, em diversos casos, se aproximou dos 5%.

Em suma: os fornecedores, apesar de já haverem assumido os sucessivos aumentos do preço do leite e de suportaram os agravamentos dos restantes custos de produção, vendem actualmente os seus produtos lácteos à distribuição significativamente mais baratos do que o faziam há um ano atrás.

 

RELACIONAMENTO COM A GRANDE DISTRIBUIÇÃO

A pressão exercida pela distribuição moderna é sentida por todos os sectores ditos do grande consumo, mas é especialmente forte no sector lácteo, seja por fornecer um leque alargado de produtos básicos, seja por ser dos mais organizados, seja, por muito paradoxal que tal possa parecer, pelo facto de ser auto-suficiente e especialmente direccionado para o mercado nacional.

A dimensão do mercado, a ausência de alternativas equivalentes e o risco de saída de linha obrigam os fornecedores:

  • a aceitar ter que pagar elevadíssimos valores para vender os seus produtos nas prateleiras da distribuição.
  • a aceitar a exigência de margens crescentes e garantias de melhor preço.
  • a enfrentar a concorrência feroz e desleal das chamadas marcas brancas, que lhes condicionam o preço, a margem e o espaço de prateleira, mas que são, em simultâneo, subsidiadas pela rentabilidade gerada pelos produtos de marca de fabricante.
  •  enfrentar políticas de aprovisionamento em que, em razão da autosuficiência da produção nacional, o recurso à importação surge quase exclusivamente como forma de pressão sobre as empresas a operar em território nacional, como forma de esmagar, ainda mais, os preços e as margens dos produtos que adquirem aos seus fornecedores. 

A generalidade desses sectores vem exigindo uma revisão da legislação aplicável a matérias sensíveis, tais como:

  • as práticas restritivas do comércio,
  • a disciplina dos prazos de pagamento
  • o reforço dos mecanismos de avaliação das operações de concentração no sector da grande distribuição
  • a regulação da presença no mercado das chamadas marcas brancas.

Têm também exigido um reforço da actuação de fiscalização e regulação por parte das entidades competentes.

Mas, em boa verdade, os resultados desses esforços têm sido escassos, inconsequentes e de nulo impacto para um maior equilíbrio e transparência nas relações entre os operadores da distribuição e os seus fornecedores. 

Só isso pode justificar que, na presente situação, a distribuição venha sistematicamente recusando as propostas de actualização dos preços por parte dos seus fornecedores. 

Só isso pode justificar que, mesmo neste cenário de profunda e reconhecida crise sectorial, os principais clientes estejam a pressionar fortemente os seus fornecedores no sentido de lhes serem dadas condições contratuais ainda mais favoráveis nos produtos.

Ou seja, os distribuidores estão a exigir que os fornecedores lhes vendam os produtos ainda mais baratos.

E tudo isto, ao mesmo tempo que esses mesmos distribuidores gastam elevadíssimas somas em campanhas de ‘publicidade corporativa’ ou em campanhas em que insistem na política de manutenção dos preços “sempre baixos, o ano inteiro” e quando apresentam, sucessivamente, margens e resultados cada vez mais elevados.

 

SUSTENTABILIDADE DO SECTOR LÁCTEO

A sustentabilidade do sector lácteo em Portugal depende da sua capacidade de aprovisionamento, depende da viabilidade económica de produtores e industriais, depende da capacidade de fornecer de forma eficiente ao mercado.

Como já referimos, a rentabilidade das indústrias de lacticínios e a sua capacidade de remunerar, de forma justa, a matéria-prima que adquire, está condicionada pela valorização obtida na venda dos seus produtos aos seus clientes, ou seja, em mais de 85% a um conjunto de menos de uma dezena de operadores da grande distribuição, sendo que as duas mais importantes cadeias – Sonae e Jerónimo Martins – representam mais de 50% das vendas das empresas do sector.

Tem vindo a ser sistematicamente repetido que a minimização ou ultrapassagem da crise que o sector actualmente atravessa passará por uma aproximação entre a produção, transformação e distribuição. Apesar de entendermos igualmente que assim é, não podemos esconder que esse é um caminho pejado de obstáculos, de interesses contraditórios, de conflitos mais ou menos latentes.

Esses obstáculos, interesses contraditórios e conflitos latentes, estão, para além disso, muito longe de constituir um exclusivo do sector lácteo e são, não temos qualquer dúvida, partilhados pela generalidade dos sectores ditos do grande consumo.

Por tudo isto, não pode esta Associação deixar de referir o seguinte:

  • A ANIL não negoceia, sob nenhuma forma, preços, seja de aquisição da matéria-prima, seja de venda dos seus produtos aos clientes. Essa é uma responsabilidade de produtores, empresas e distribuidores.
  • A distribuição adquire os produtos que comercializa e a indústria remunera as matérias-primas que adquire, não existindo cabimento num qualquer conceito de repassagem, integral ou parcial, entre preços de venda e preços de compra.
  • A ANIL representa as empresas transformadores de todo o sector lácteo e não apenas entidades ligadas ao segmento do leite.
  • As empresas nossas associadas estão a apresentar aos seus clientes as suas revisões de tabelas de preços considerando os interesses de todos os actores: produtores, transformadores, consumidores e da própria distribuição. Essas revisões deverão ser aceites pois reflectem efectivos custos acrescidos de produção que as empresas estão desde há muitos meses a suportar e a absorver.
  • É imprescindível que os nossos produtos deixem de ser permanentemente utilizados na interminável guerra de preços entre operadores da distribuição, que especialmente através das suas marcas próprias, apenas promovem a degradação de valor e a destruição do sector lácteo nacional.
  • É fundamental que a distribuição não continue a manipular a sua política de margens, penalizando ainda mais os preços dos produtos de marca e a sua capacidade de concorrer lealmente no mercado, em favor dos produtos de marca branca.
  • É fundamental que a distribuição abdique das suas repetidas tentativas de revisão das cláusulas contratuais dos contratos de fornecimento, cujo óbvio efeito será o de limitar ou eliminar o efectivo impacto das pretendidas revisões das tabelas de preços.
  • É fundamental que a distribuição abdique de utilizar o recurso a importações adicionais e desnecessárias de produtos, as quais, no quadro da autosuficiência da produção nacional, têm como único intuito pressionar ainda mais os fornecedores nacionais.
  • É fundamental que a distribuição abdique de utilizar políticas caóticas de encomenda, com o objectivo de minar os níveis de serviço e utilizar esse argumento para o recurso a fornecimentos externos.

ILAÇÕES A RETIRAR DESTA CRISE

Os produtores de leite atravessam um período de grandes dificuldades em face do já referido agravamento dos custos de produção, mas, em boa verdade e apesar do já referido diferencial dos últimos meses, a indústria nacional tem vindo a adquirir o seu leite a preços geralmente mais favoráveis do que aqueles que os produtores dos principais países concorrentes europeus recebem e, por exemplo, aqueles que os seus colegas espanhóis auferem.

A indústria nacional tem-se preocupado em manter e defender, em Portugal, a existência de uma produção leiteira competitiva e sustentável, que permita aprovisionar as nossas unidades de transformação e abastecer o mercado nacional e outros mercados, aumentando a rentabilidade de toda a fileira.

Alterações radicais dos custos de produção e o seu reflexo nos preços de venda, muito em especial, quando agravamento similar de custos não se verifique para a generalidade dos países concorrentes, funciona como o escancarar de uma porta ao avolumar das importações, pois, como se vem multiplicadamente verificando, muitos operadores da distribuição a operar em Portugal não têm tido qualquer dúvida em recorrer, ainda mais amplamente, a fornecimentos externos, mesmo reconhecendo a autosuficiência nacional. 

O Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que tutela a fileira do leite, no âmbito das suas competências, tentou promover a aproximação das posições entre os diferentes elos da cadeia, preocupado especialmente com o agravamento dos custos nas explorações, pressionando entendimentos a jusante, presumindo que a sua actuação, por si só, permitiria desbloquear esta crise. Do lado do Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, que tutela a área do comércio, verificou-se o, infelizmente, já habitual silêncio e alheamento.

O voluntarismo de algumas actuações e a multiplicação de declarações públicas sobre esta crise alimentou expectativas, em especial junto dos meios da produção, que a prática - infelizmente - está longe de conseguir confirmar.

Apenas alguma ingenuidade permitiria colocar expectativas elevadas naquela tentativa de aproximação e num esforço de regulação exclusivamente desenvolvido pelas partes, quando é reconhecido o profundo desequilíbrio negocial que permanece, quando é reconhecido que os operadores da distribuição pretendem continuar a manter as suas vendas e rentabilidade assente numa política de baixos preços e de pressão constante sobre os seus fornecedores ou quando foi já publicamente reconhecido que os esforços de auto-regulação (como se vem comprovando desde há anos) dificilmente poderão conduzir a resultados úteis quando as contra-partes apresentam poderes negociais tão desequilibrados.

Temos consciência que no actual quadro de legislação e fiscalização e sem que as autoridades competentes desenvolvam esforços no sentido de uma efectiva regulação do sector e, de uma forma mais alargada, de todo o quadro de relacionamento entre a moderna distribuição e os seus fornecedores, muito dificilmente poderão ser obtidos resultados positivos, consistentes e duradouros.

Entendemos, pois, que o nosso Governo, mas também os restantes órgãos de soberania e forças políticas, deverão retirar as ilações e consequências desta crise que o sector lácteo atravessa, ser mais realistas na análise que fazem e nos comentários que produzem, e, cumprindo com as competências que efectivamente possuem, apostar, antes de mais, na construção de soluções legais e de regulação, viradas para o presente e para o futuro e que sejam, muito em especial, coerentes nos propósitos e consistentes na aplicação.

 

Porto, 23 de Março de 2011

 

A Direcção da ANIL